terça-feira, 5 de agosto de 2014

Empáfia, bipolaridade e outras drogas

Futebol é fascinante. A tensão que permeia o ar durante 90 minutos seja em um embate contra um rival tradicional seja em uma peleja contra algum enviado do inferno na forma de time inexpressivo do interior é indescritível. Ganhar é superlegal. Erguer taças, então, nem se fala. Nos confere o ápice do prazer esportivo como se tivéssemos penhorado nossas almas no campo. Mas a verdade nos é arremessada na cara tão logo os próximos 90 minutos iniciem. Estamos sempre a dançar na linha tênue da glória e do ostracismo toda quarta, todo domingo.

Todo prolegômeno do mundo não seria suficiente para tentar expor o que é torcer para um time bem estruturado, vencedor, tradicional, arrogante e de vanguarda cuja torcida insiste em julgá-lo a cada 90 minutos de jogo. Uma torcida apaixonada, acostumada com os louros da vitória e se vê sente na iminente necessidade de forjar ídolos e condenar jogadores ao exílio eterno duas vezes por semana. 

Essa bomba emocional atende pela torcida do São Paulo. É espantosa a capacidade dos adeptos comparecerem ao estádio previamente munidos de sua corneta e esperarem com mais ansiedade o momento de soá-las do que de comemorar um gol. Contudo, também merece a devida consignação que o próprio São Paulo ultimamente clama pela desaprovação popular.

Respaldada pela soberba de ter ido um tico mais além que uma meia dúzia de rivais, o São Paulo acostumou-se a acreditar que a camisa daria cabo de colocar o time constantemente na rota dos títulos. Tal pensamento gerou uma verdadeira caça às bruxas culminando com uma sequência assombrosa de treinadores degolados.

Por seu turno, muitos jogadores que aterrissavam em solo tricolor caíram na tentação de acomodarem-se diante da boa estrutura oferecida pelo clube. Entretanto, tal comportamento não passa batido por quem se dispõe a atravessar a cidade, comprar ingresso e encarar aquela friaca maldita das arquibancadas. Apesar as constantes renovações do elenco e do comando técnico, o São Paulo chegou em um ponto no qual sua bipolaridade o impede de seguir adiante.

Mesmo tendo conquistado a Sul-Americana em 2012, sobrevivido a uma temporada horrível ano passado e repatriado o comandante Muricy Ramalho, o São Paulo dá sinais que parou no tempo. Ou desaprendeu a ser uma equipe competitiva ou caiu nas mãos de pessoas despreparadas ou demasiado preguiçosas ou ainda teimosas o bastante para não perceber o óbvio ululante.

Poderíamos começar pelo estádio. Cobrir o Morumbi não vai fazer do estádio uma referência em modernidade nem adequar à realidade do futebol em que vivemos. A arquitetura grandiosa do estádio comporta 70-80 mil torcedores e nas raras vezes quando atinge sua plena capacidade (em torno de 60 e tantos mil) não gera a sensação de pressão no adversário e também deixa visíveis alguns buracos em certos setores.

O maldito processo de arenização dos estádios está se mostrando um mal necessário. A readequação do estádio para 40-45 mil torcedores aparenta ser mais que suficiente se a média de público do time bate nos 20 e poucos, 30 mil, ou nem isso. Além disso, se 20 mil torcedores forem ao estádio, conseguirá dar a impressão de estar mais cheio e eventualmente gerar mais pressão no adversário, o que não acontece com as arquibancadas de hoje que estão a poucos quilômetros da lua em relação ao campo.

Porém, o futebol é o que importa. O mau momento do Tricolor encontra culpados em todos os níveis. Vamos começar pela diretoria? Reforçar o ataque é bom. Foi uma estratégia ousada a aposta em Pato, a contratação de Alan Kardec para suprir a constante ausência ou omissão de Luis Fabiano, até aí, tudo certo. Só que o sistema defensivo do São Paulo como um todo é sofrível. Não é culpa exclusiva da zaga. Falta uma amarração melhor do sistema, faltam volantes mais combativos, laterais mais obreiros. Qual foi a atitude que Aidar tomou diante disso? Contratou Kaká. Outro meia avançado. 

É insano, sério. Nem se fosse o Kaká de 2007 essa contratação se mostra pertinente nesse momento. O mais razoável a fazer é buscar algum meio de fazer o time defender-se melhor, e aqui pulamos para outro culpado.

Apontar o dedo e cornetar o trabalho de Muricy no São Paulo virou tabu daqueles passíveis de excomungação tal como criticar uma falha ou apoiar a aposentadoria de Rogério Ceni. Porém, Muricy dá sopa para o azar. O treinador sempre foi conhecido pela regularidade defensiva. Foi assim em sua primeira passagem. 3 zagueiros, uns volantes voluntariosos, disciplina tática. Aí ele me começa a armar o time com surreais 3 atacantes, sendo que invariavelmente Osvaldo e Ademílson acabam por figurar no setor. 

Sério, isso tá virando caso de internação. Pelo menos Muricy se mostra atento e tenta consertar. A solução então foi voltar ao 4-4-2 e deixar o Ganso mais à vonts pra jogar. Tudo bem. Só que a meia-cancha continua mais fácil que baranga às 3 da manhã, caramba! Se ele está esperando o milagre da velotização do Maicon para ajustar a volância, pode esquecer.

Na última partida, Muricy lançou Denílson e, mesmo com Souza e Maicon - 3 volantes, portanto, ainda que com Maicon mais avançado - tropeçou novamente em casa. As constantes mudanças desse pós-Copa preocupam. Preocupam porque o time já perdeu um bom punhado de pontos em casa e sugere que todo o trabalho feito durante o Mundial não serviu de nada. É como se não soubesse o que fazer e está usando os jogos para treinar, fazer testes, quando seria o local adequado para trazer resultados (positivos).

Da mesma fonte de bipolaridade que bebe o São Paulo, bebem os jogadores. São incapazes de manter regularidade satisfatória ou de atuarem em nível aceitável. Alexandre Pato puxa a fila. Nos últimos jogos, não foi mal, verdade seja dita. Mostrou velocidade, criou oportunidades. Entretanto, abusou do direito de desperdiçar chances.

Ganso também evoluiu. Está mais participativo e carimba todas as bolas no meio-campo. Mas insiste em não chutar, não entrar na área, não buscar algo diferente em prol do time. Luis Fabiano está lesionado desde 2011. Osvaldo e Ademílson estão abaixo da crítica. A zaga individualmente não é ruim, porém a falta de colaboração do meio-campo expõe os equívocos de posicionamento de Antônio Carlos e a afobação de Rodrigo Caio em certos momentos.

Os outros, no geral, não fedem, nem cheiram e isso é pior que ter um jogador essencialmente ruim no elenco. É inadmissível que jogador profissional constantemente isolem os chutes de fora da área, errem passes primários ou não ofereçam alternativas de jogo (entenda-se "aparece pra receber, já que tá todo mundo espalhado escondido atrás da marcação").

Em tempo, nem Rogério deixou de ser contaminado. Entre uma intervenção aqui e ali, acabou por participar negativamente no gol sofrido contra o Criciúma.

Todo esse contexto caótico legitima a torcida a pregar o apocalipse jogo após jogo. Porque o São Paulo tem tudo e merece ter dirigentes antenados e competentes, um técnico mais perspicaz e jogadores eficientes. Não quero nem pensar o que vai ser quando a própria torcida perceber que esse comportamento é tão maléfico quanto ter Paulo Miranda como opção para a zaga.


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